Com agendas de verdadeiros executivos, as crianças da classe média acordam muito cedo para ir à escola. De lá vão para a natação, depois para a aula de inglês, aula de dança ... e vão dormir tarde, geralmente depois daquela festa nos tais bufês da vida. É aula disso, competição daquilo. Os pais enchem os filhos de atividades porque querem o bem de seus pequenos. “Esse vai conseguir um ótimo emprego, vai estar pronto para disputar as melhores vagas no mercado de trabalho, vai ser um vencedor”, devem imaginar esses pais. Em contrapartida, as brincadeiras e até as discórdias entre colegas vão deixando de existir. A infância passa a ficar cada vez mais curta, pois é tomada por compromissos e mais compromissos. Para o psicólogo Ives de La Taille, no livro Formação Ética: do tédio ao respeito de si - presente de aniversário que ganhei da querida amiga Bia - apesar do número de compromissos aproximar a rotina da infância ao dia-a-dia típico de um adulto, quando crescem de fato, esses indivíduos acabam ficando meio que estagnados numa adolescência quase sem fim. Foram tão superprotegidos e amparados pelos adultos que tomavam decisões e resolviam conflitos por eles que não conseguem encarar a vida de frente para vencer obstáculos. Isso porque na visão míope dos pais, o fundamental é que as crianças se desenvolvam intelectualmente, que saibam língua disso e daquilo. Mas e o outro lado? A vida não se resume apenas a trabalho! E o amor, a auto-estima das crianças, como tem sido trabalhada? A capacidade de lidar com os conflitos? A criatividade e a imaginação? Para La Taille, “muitos dos elementos do mundo adulto não fazem sentido para as crianças. Logo, obrigá-las a viver como adultos implica privá-las dos sentidos que elas poderiam construir se deixássemos que vivessem tranqüilamente sua infância”.
Por exemplo: se, no passado, as crianças aprendiam futebol na rua, com outras crianças - e com isso aprendiam a resolver seus conflitos entre si - hoje há escola pra tudo, o que diminui a oportunidade de interação com os próprios pares. Afinal, nesse caso, quem apita o jogo é um adulto. Quem resolve os conflitos é um adulto. Aceitando ou não, a solução é imposta. “O que era uma atividade de cooperação (tipo de relação social simétrica, estabelecida entre pessoas que se vêem, umas às outras, como iguais) acabou se transformando em coação (tipo de relação social assimétrica, na qual um pólo decide e determina o que o outro vai fazer”, afirma La Taille. E, na coação, continua o autor, lembrando Piaget: “[...] as relações não desencadeiam, ou desencadeiam pouco, o processo de descentração necessário à evolução psicológica. Quem obedece, quem pauta suas ações pelas ações de outrem, pouco precisa pensar na razão de ser de tais ações”. É por isso que acaba faltando, para o jovem, maturidade e experiência para resolver conflitos e tomar decisões quando se sente desamparado por falta de um adulto por perto.
A infância adulterada pode trazer resultados totalmente contrários àqueles esperados pelos pais, quando adiantaram as atividades de adultos a seus filhos, como descreve o autor: “Os adultos querem que as crianças queimem etapas, mas são as disposições psicológicas infantis que acabam por partir em fumaça. E o sentido se esvai, e o tédio se impõe. E, quando chegam à adolescência, abandonam o esporte que precocemente lhe foi imposto, abandonam no armário os instrumentos que foram levados a tocar, mal sabem falar as línguas estrangeiras que lhes foram ensinadas, sabem fazer amor mas não sabem amar e, por falta de reais paixões, se mostram amorfas e, logo, pouco ‘competitivas’”.
Para o autor, cuidar das crianças é respeitá-las em sua singularidade e não lhes impor uma vida que não faz e não pode fazer, para elas, sentido: “[...] cuidar das crianças não é tutelá-las vinte e quatro horas por dia. Não é vigiá-las sem cessar. Não é privá-las de relações de cooperação. Jogadas em um mundo que não tem, para elas, sentido, não crescem. Constantemente amparados pelos adultos, elas também não crescem”.
Por isso, precisamos, no dia-a-dia, praticar mais relações do tipo cooperação e menos do tipo coação e deixar as crianças viverem de fato uma infância verdadeira, que tenha sentido pra elas. E, para isso, os pais precisam acompanhar os filhos, sem muitas vezes interferir em suas decisões, iniciativas e processos criativos. Mas é preciso saber dosar o momento de deixar e a hora de interferir, para que a educação aconteça de forma saudável e sem queimar etapas. Na verdade, os pais deveriam brincar mais com seus filhos, em vez de interferir ou simplesmente superproteger os pequenos.
segunda-feira, 2 de março de 2009
Assinar:
Postagens (Atom)